antes de pintares tinhas olhos.
Primeiro ficaste cega,
Depois, com a normal dificuldade que se espera de um feto roubado do seu ventre, começaste a pintar com o corpo que ainda não era Teu,
com as mãos, mais tarde com os pés.
"Estás a pintar" - alguém te disse.
"Esta sou eu" - Pensaste quando olhavas o corpo onde te haviam semeado.
Desde então o estado da tua visão foi-se agravando.
O interior dos teus olhos está pintado.
Sim, dentro dos teus olhos, onde o nada entra e se transforma em tinta, tinta para tu pintares.
Pintas os teus olhos.
Mas os olhos não são teus.
Nem as tintas.
Apenas a cegueira é tua.
Percebes o que te quero dizer com esta poesia imediata?
O nada é o mundo das coisas, o mundo dos fenómenos e dos objectos.
Antes de nasceres morreste do mundo dos fenómenos e dos objectos.
Deixaste de ver o nada.
Agora só vês cegueira.
Cegueira e tinta.
Como és capaz de matar alguns dos outros pintores?
São teus irmãos!
Eles já foram Tu!
E tu já foste nada.
Sabes o que eras antes de seres nada?
Pintora. Talvez não nesse corpo. Mas foste pintora, talvez pintor.
E sabes porque foste pintor(a)?
Porque morreste do nada e nasceste para o mundo dos pintores.
Queres pintar a tua vida?
Pinta.
És cega, como eu.
Pintemos, então, nossas infinitas e mortas vidas.