nao tenho mais moral
nem aquele ardor poetico
nao tenho quaisquer expectativas
em relação a coisa alguma
nem mesmo medo ou sensatez, tão pouco probidade ou razão
nada, apenas admiração pelo mar
sinto que perdi um sentido
ou parte da consciência
a minha memória também parece ter-se autonomizado de mim
trabalha por conta própria, serve outro mestre qualquer...
as vezes acho que estou completamente à deriva
suspenso por um fio enquanto o mundo roda sob os meus pés, imprevisivel
e eis-me aqui, a vê-lo a rodar, eu, a minha individualidade
eu, tão só e somente eu, e o meu corpo inanimado
vejo e sinto o vento soprar, lá do longe
da ponta de um horizonte até à outra
vejo os limites fisicos da paisagem
e, povoando os espaços vazios, corpos agitados a gesticular e emitir sons
o que antes parecia tão cheio de sentido e misticismo
agora é apenas um superfície que reflecte luz
o potêncial de significação ainda está lá, certamente
e quão belas as histórias que inspira e sugere!
mas... para quê contá-las se elas não forem vividas?
talvez afinal não seja um bom actor, ou um bom humano no geral
o mar está horrivelmente pesado e agitado
o horizonte está infinitamente negro, o oxigénio está salgado
o mantra sonoro do mar perfuma o ar de bruta violência e caos
este manto pesado castiga a costa, atrai os curiosos pela morte, inspira um respeito arcaico
é pena nenhuma outra alma ter vindo admirar este colosso
quão bela e sublime a sua devastadora força...
fico feliz por ainda sentir este encanto
e percebo o porquê de estar no mar
nas profundezas abismais da terra
nos insondáveis vazios do cosmos
onde a luz ainda não chegou
no desconhecido
em breve o sol nascerá,
outra, e outra, e ainda outra vez
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