Um dos meus filmes favoritos do Trier é o "Breaking the Waves" de 1996.
Acho que é um filme onde se encontram presentes os principais motivos de interesse do Trier, entre os quais, como em "Ninfomaníaca", a pulsão sexual como vontade maior da acção humana (lembrando-nos das teorias psicanalíticas de Freud). Emily Watson é fantástica e o trabalho de câmara muito inventivo, livre, quase romântico.
Gosto particularmente deste filme pelos elementos que este coloca em jogo, entre os quais um que artisticamente me seduz particularmente, que é a questão da "verdade" e de como os choques e pontos de divergência dos vários sistemas simbólicos como a religião, a cultura popular, o capitalismo, colocam o Homem numa condição de liberdade condicionada pelas exigências morais e éticas de tais sistemas (ilustrado pelo percurso de sofrimento de Jen, a personagem principal).
Mas Trier vai ainda mais longe e com esta personagem de Jen (mentalmente "atrasada") propõem-nos uma interessante postura crítica perante a religião (cristianismo e derivações protestantes) enquanto instituição maior de controlo da conduta humana, por um lado, e por outro a experiência mística. Seria fácil e limitador apenas ler na ingénua devoção de Jen uma condição de subjugação e ignorância. Essa força que a move (que a certo momento se confunde se é Deus ou o desejo sexual) efectivamente move-a no sentido emancipatório de satisfazer os seus desejos e os do seu "próximo" (o marido), contrariando todos os sistemas que a rodeiam, o que levanta algumas uma questões politicas e filosóficas muito interessantes:
"Até que ponto precisamos de confirmação cientifica para acreditar-mos legitimamente em algo?";
"Será a vontade do "ignorante" tão ou mais importante que a do "sábio"?"
Estas questões evidenciam uma paixão pelo lado poético da vida, assim como o amor pela liberdade em Trier, questões que fazem falta a este mundo civilizado, institucionalizado, especializado, tecnológico, cada vez mais abstémio de vivências poéticas e místicas, cada vez mais "domesticado" pela cultura do espectáculo capitalista que Debord fala, um mundo onde "... por grandeza material, todos os confortos celestiais se desvanecem em ar" - Chapman
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