Tive que escrever um relatório/resumo sobre o filme para a faculdade, por isso resolvi adapta-lo um pouco e partilhar, coisa curta e sem palavreado caro (why not?)
Contudo, ao contrario por exemplo da sua curta-metragem
“Rapace”, e como o próprio confessou, é um filme onde a forma cinematográfica e
a narrativa parecem estar em maior consonância, isto é, as “regras” dos
universos ficcionais que o filme vai criando são agora uma consequência do
pathos dos personagens, não é algo preexistente ao tempo em que o filme começa,
o que lhe confere qualidades mais clássicas, se quisermos, em que alguma força ou acontecimento exterior ao universo do personagem vem alterar a ordem do mesmo.
Assim, o filme começa num ambiente
perfeitamente banal e deliberadamente descaracterizado para evitar "leituras sociológicas" que não interessam para a história, o que revela da parte do João um maior interesse na dimensão poética e plástica do cinema, o que é de saudar, a meu ver.
Este universo banal em que o filme começa vai-se
metamorfoseando, ora com momentos mais documentais a seguir a personagem, ora
com momentos um quanto surreais e aparentemente inconsequentes, ora com fantasia pura, e aí
termina o filme, num universo que pertence ao domínio do fantástico, em que o amor "virá do céu", tão poética como literalmente.
Esta
progressão, este arco de transformação do "real" e não só da personagem principal, é o que dá, a meu ver, a magia ao
filme, deixando o espectador indeciso quanto ao seu género. Uma amiga confessou que sentiu existir demasiada inconsequência no decorrer dos eventos, para o seu gosto pessoal e
tendo em conta o seu formato de longa-metragem. Gostava de se ter envolvido
mais dramaticamente no universo da personagem. Isto é perfeitamente válido, mas creio que não pode ser considerado uma "crítica" ou um erro. É uma questão de gosto.
Esta fugacidade, a
tristeza e amargura seguida de momentos de fantástico em que tudo está
misteriosamente resolvido, é sem dúvida uma marca autoral do João Nicolau, e é
o que torna os seus filmes peculiares, interessantes. O que parece interessar
ao João é a capacidade humana de, sem motivos muito claros ou fundamentados, passar
de um estado de miséria ou apatia (por exemplo) para um estado de graça, sendo
que os impulsos que impeliram essa mudança não são, imperativamente, da ordem
do racional ou empírico. E num sistema social onde as vivências poéticas são cada vez mais abstémias (apenas os loucos e os boémios se podem dar a esse capricho irracional), onde o racional, o eficaz, e o politicamente correcto lideram grande parte dos debates e iniciativas (ou é apenas impressão minha?), obras como esta são de celebrar (bem hajas Som e Fúria!)
Precisamos de mais poesia e menos parlapié sobre a crise!
Ide ver, ide! E vejam as curtas também!
Precisamos de mais poesia e menos parlapié sobre a crise!
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