terça-feira, 5 de maio de 2015

canta, canta

Some-te desejo, some-te emoção
inquietas o pobre mendigo
quem lhe deitasse uma mão...

Viesse antes uma pulsão animal
dos mais negros e ancestrais recônditos da inconsciência
daqueles que nenhuma razão consegue fundamentar!

algo que te fizesse despertar
corpo e espírito harmonizar

malditas raízes
que profundas e renegadas insistem viver
e os caules - a unhas arrancados - fazer renascer

venha alguma nuvem carregada de águas lá doutra geografia
que me encha as esgotadas reservas
uma nova esperança
qualquer que seja
para que possa aprender a querer de lá voltar a beber
e assim sumir, salvar-me, resgartar-me da inércia, do marasmo, da inquietação.

mas um dia a fonte que te salvou da miséria
vai também ela secar
possas até lá aprender
a - rapidamente* - outra encontrar

até lá, canta!
canta o canto do desespero!
o canto de quem não sabe querer!
outra coisa para além do sonho!
e canta, possas tuas misérias esquecer!


*não vá termos mesmo só uma vida...

sexta-feira, 6 de março de 2015

Se a vida nos dá limões, porque não fazer uma limonada?

Um tormento nunca passa, apenas ganha novos contornos, transforma-se, hibridiza-se, colonizando novos territórios como um cancro que se espalha pelo corpo e encontra novos centros onde se reterritorializa. Agora o tormento é o porquê. Porquê renegar os limões a que temos acesso? Porque não fazer uma limonada? Será ânsia de encontrar outros melhores, mais maduros talvez? Será medo de descobrir que afinal eram mais ácidos do que a sua casca amarela sugeria? Mesmo assim os limões mais ácidos não matam, podem corroer um pouco, mas deixar que esse medo nos impeça de os experimentar é, no minimo, um desperdício de horas de vida, uma passividade triste que nos fecha ao exterior e nos impede de embarcar em aventuras e viver, e se o sofrimento crescer ao menos por outro lado a felicidade também conheceu novos territórios, não é o homem que mais sofre aquele que mais plenamente consegue sentir felicidade? Pelo menos assim me quer parecer, talvez este seja o leit motiv que me consegue resgatar deste tormento e dar-me algum bem-estar, talvez esteja totalmente errado, mas cumpre a sua tarefa, a de me manter senil.
Mas não percebo, e este não entendimento está-me a corroer, porque enquanto me retraio para o tentar perceber estou também a afastar-me.
Não sei o que fazer. Tenho pena desta situação, gostava que ela desaparecesse, e que com ela fossem todos os meus desejos e fantasias, no regrets or hard feelings. Espero que ela habite apenas o meu imaginário e não se extenda muito, porque quanto mais atenção lhe damos mais longe estamos de uma resposta ou solução genuína e autêntica.
Pronto, a Primavera está a chegar e o mundo é um sítio bem grande, bem hajam!

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

o real incomunicável



Hoje presenteei à minha ignorância o filme "The Master" do Paul Thomas Andersen.
Um dia destes escrevi que os mais falsos fundamentos podem dar origem às mais sólidas realidades, inspirado por um certo cepticismo e a pensar em sistemas religiosos, como o cristianismo e a igreja católica. Acredito, hoje, que de facto a razão empírica e científica não é de todo altamente imprescindível para a construção de um sistema filosófico/religioso, um entender o mundo, organizando, nomeando e significando os fenómenos e as suas relações entre si e com o homem.
Um dos momentos que esta segunda visualização do filme me deixou na memória foi, aquando a publicação do segundo livro do Culto, o comentário de um dos intelectuais lá presentes em relação à obra, que com tanta paixão, sangue, suor e sede de verdade foi escrita pelo personagem do Hoffman. foi algo do género:
"para mim o livro podia ser resumido a 3 páginas e ser entregue à entrada do metro. A estrutura do pensamento do homem é totalmente incomunicável, mas uma coisa é certa, o homem é um grande místico, um verdadeiro místico" (de notar o tom extramemente respeituoso com que emprega as ultimas palavras, "um verdadeiro místico")
Eis. Ei-lo. O momento de ruptura. O momento em que as edificações que um homem faz da realidade (tão válidas como as de qualquer outro sistema religioso social e historicamente instituido e, analisado profundamente, não tão diferentes até da ciência) carecem das qualidades do comunicável.

O poder dos sistemas místicos reside no facto dos mesmos se poderem alicerçar em fundamentos abstractos, cuja fonte de inspiração provém de uma experiência interior, e não de um estímulo ou fenómeno exterior, para o qual todos os homens podem facilmente virar os olhos e ver.

Eis a mais profunda e colossal tristeza que o Homem pode experiênciar. O não conseguir comunicar o seu entendimento do real. O criar um real incomunicável.

Existe, contudo, uma dimensão transcendental nisto, creio, que consegue trazer algum consolo ao místico. Não queria dizer uma comunicação espiritual. Mas acho que, desenvolvendo métodos de meditação concretos e bem definidos, se consegue dar aos homens não a mesma verdade que o sábio detém, mas a mesma experiência que inspirou o entendimento do sábio. Partilha da experiência inspira a compreensão mútua, a harmonia entre as almas. Se para os cristão é o jejum e para os tibetanos é a meditação, para os dois personagens (hoffman e phoenix) era aquela bebida. Não foram as ideias que os ligaram um ao outro, foi a partilha de um estado.

Um dia tentarei reunír forças e inspiração para prestar a devida atenção a este assunto. Por enquanto ficam estes apontamentos acidentados.

domingo, 15 de fevereiro de 2015

Endo/Exo Genesis - Curta metragem 4 minutos

Ideia:
Devido à superabundância de material descoordenado que a filmagem em registo de documentário ou improviso produz torna-se difícil organizar o mesmo num tudo consistente, pelo que a unidade ou sentido narrativo deve ser então procurada na potência dialéctica da montagem e na utilização de padrões rítmicos formais. (Slavoj Zizek) 
A ideia foi partir para o pinhal de Arada (Ovar) e filmar num registo de improviso e sem guião, para encontrar uma unidade ou sentido narrativo na montagem. Também passou por criar uma atmosfera mística e poética, sem recurso a diálogos, diluindo as fronteiras entre o "real" e o "sobrenatural". Fazia também parte da missão fazer tudo (filmar e editar) em 24 horas.

Sinopse:
Um jovem a acampar num pinhal à beira mar depara-se com estranhos fenómenos, o fantasma de um indígena e um estranho monolito brilhante.

Filme:





Frames:

























Notas Finais:

Claras influências de "2001" de Kubrick e "Febre Tropical" e "Tio Boonmee" de Weerasethakul.


Endo significa Interior.
Exo significa Exterior.
Genesis significa Criação.
A ideia mais interessante cujo questionamento este filme pode potenciar (de acordo com a minha interpretação) é a origem dos estímulos que nos fazem interpretar e significar o mundo, podendo partir de uma Experiência Espiritual (interior) ou de uma Experiência Empírica (exterior). 
O ser indigena e o monolito são criações do personagem principal ou existem de facto? Creio que a questão tem de ser reorientada não no sentido de simplesmente nomear os fenómenos como reais ou surreais/irreais, mas, reconhecendo ambas as "possibilidades do real", pensar onde poderemos chegar (espiritual e socialmente) adoptando uma ou outra possibilidade. 
Os mais falsos fundamentos podem dar origem às mais sólidas realidades. Então talvez o problema esteja na nossa concepção de falso e verdadeiro. Fica lançada a ideia para debate.



domingo, 8 de fevereiro de 2015

nadar na lama

os corpos estão deitados, a noite avança, lenta e melancólica
as almas, cansadas, nadam à superfície do lamacento e ensonado tédio

gostava que estivéssemos livres de pesos, estou exausto de nadar na lama
que estás a dizer?

estou a ser
a ser o quê?

a ser, apenas
quanto mais "poetisas" mais me aborreces

quanto mais perto estás, mais distante ficas
porque é que temos de falar?

para nos sentirmos vivos
eu estou viva em silêncio

mas para mim estás morta, e não quero que morras
então estás doente

estar doente é estar numa condição diferente apenas
tás com uma poesia do caralho

não a gozes, pudesse ela curar-me, mas so me hipnotiza mais
tas hipnotizado?

tou, por ti
isso é bom ou mau?

é um tormento agradável
e porque não fazes nada em relação a isso?

temo o teu intimo
não sou nenhum monstro

fantasiei-o demasiado em meus sonhos
deixa-te de merdas

ajuda-me, por favor
lamento, mas já me filmaste demasiado

não entendo como é que a sinceridade ou a poesia te podem filmar
a poesia apenas é boa quando acompanhada por um fazer e não quando brota da inércia

mas eu não sou um bom poeta
de facto não és, aborreces-me

ajuda-me
que queres que te faça?

que não penses as minhas palavras, que sejas, só
estás completamente louco

que me beijes
descansa, por favor

estou embrutecido, a minha razão quer-me abandonar, juro-te
dorme, por favor, e cala-te

se me calar morro mesmo
amanhã ressuscitas, não te preocupes

venha alguma luz que me queime e me desperte para outra realidade
fecha os olhos

e o ensurdecedor silêncio dominou o resto da noite
a luz veio, mas não o queimou o bastante







quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

fechar para balanço (por uns tempos)

queria escrever algo maduro e nobremente fundamentado sobre o estado das coisas (ou pelo menos como me parecem aos meus olhos), mas infelizmente estou sóbrio e apaixonado, as duas condições mais inoportunas aquando a estruturação de um novo texto/poema, pois sempre acabam por falar de nada mais do que a sua própria impotência e tédio, mendigando no seu universo fantasioso em busca de uma triste esmola que lhe afague as mágoas e lhe prolongue a miséria. e já demasiados posts vêm nesta linha, o que o está a tornar numa coisa um bocado lamacenta e ridicula (bendito bom senso e vergonha em não postar tudo o que escrevo!).
é engraçado como quando estas duas condições estão nos seus opostos (estar ébrio e com uma atitude de certa indiferença em relação aos olhares e juízos externos) as coisas fluem com tal espontaneidade e veracidade que realmente apenas uma explicação de ordem espiritual ou mística consegue fazer perceber como é possível que esse estado potencialmente abstractizante e de êxtase irracional consegue produzir um discurso tão mais bem fundamentado e pertinente.
claro que casos são casos, mas este é o meu testemunho. ultimamente 80% das coisas que escrevo são marasmos emocionais, fantasias de um menino mimado e cobarde. 

pah, tou farto de lamechice, preciso de guerra!
vou tentar fechar para balanço por uns tempos.

entretanto deixo aqui alguns favoritos pessoais deste blog a reler para orientar ou inspirar um novo sentido para os próximos posts.
outra coisa que por acaso tenho pensado, é que eu tenho aqui coisas desde muito intimas e pessoais, até autênticos vómitos intelectuais passando por uma coisa ou outra até bem escrita (tendo em conta os meus skills), e não faço ideia de quem lê isto, se calhar sou motivo de riso para alguns. Mas este blog (que faz este mês 5 aninhos) é isso mesmo, um espaço de sublimação e partilha, uma confusão organizada q.b,. Não há ressentimentos, matemáticas ou manutenção de um público, há apenas liberdade de expressão, nas suas melhores e piores formas.
até breve!

histórias/contos:
O vale da estranheza - parte 1:

textos/devaneios:
Suja as mãos de vez em quando:
http://le-mise-en-scene.blogspot.pt/2013/12/suja-as-maos-de-vez-em-quando.html
Um misto de cenas, um fim de ano, uma merda qualquer:
http://le-mise-en-scene.blogspot.pt/2014/12/um-misto-de-cenas-um-fim-de-ano-uma.html
Recensão crítica sobre a Sociedade do Espectáculo de Guy Debord:
http://le-mise-en-scene.blogspot.pt/2014/01/esap-3-ano-estetica-recensao-critica.html


sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

memórias #1

"naquela noite as almas estavam curiosamente imprevisíveis, como se tivessem experienciado, simultaneamente, a mais triste e lamentável tomada de consciência e o mais gratificante êxtase emocional que as suas existências poderiam ter proporcionado naquele momento. Nem a volatilidade das suas embriagadas memórias as conseguia resgatar daquele caótico e sublime estado. Reverberava infinitamente pelo corpo mesmo dias depois da sua desconhecida e exótica fonte o ter impulsionado, e como uma bola de neva a rolar pela montanha abaixo, vai encontrando no caos e na incerteza das superfícies e massas os seus novos fundamentos. O que lhes valeu é que era de noite. Bendita, mágica noite"