quinta-feira, 26 de junho de 2014

madrid, primeiros dias

Eis-me num mundo desconhecido
carregado com esperanças e responsabilidades
e muita roupa.

acordo e rio-me ao ouvir a música do despertador
"eu pensava mesmo que ia acordar com isto?"
então aguardo pelo próximo alarme, que terá um música diferente
pensei que seria uma boa estrategia para não entra naquele estado em que o toque do alarme entra no sonho e o meu impulso é desliga-lo, uma vez que sempre seria surpreendido com uma musica nova
no entanto agora aguardo para ver a próxima, qual desculpa infantil para ficar mais tempo na cama...

lá me levanto e tomo banho, depois lá vem o desafio de me limpar a duas toalhas compradas no ultimo chinês que encontrei aberto na noite em que cheguei que parecem uma espécie de tecido impermeável...
visto-me e desayuno.
"Que tenda está o meu quarto, quando chegar tenho que arrumar isto"
pois...

arranco furtivo entre as ruas já povoadas de turistas e madrilenos para quem a manhã parece ter 24 horas.
as vezes sinto-me tambem como um turista aos olhos desta malta, no entanto todos parecem estar demasiado deslumbrado, entretidos, ou simplesmente demasiado hipnotizados na sua rotina para repararem em mim.

a furtividade desaparece e começando a chegar á plaza mayor não consigo deixar de sorrir, que praça tão grande e bonita, como é possivel que tantos animais humanos a invadam e nela circulem sem se atropelarem uns aos outros? onde está a força que torna isto possivel? policia? não a vejo... que engraçado..

começando a chegar a madrid de los austrias sinto-me como alguém a quem foi entregue uma importante tarefa e pode assim disfrutar de trabalhar para ela num dos mais chiques bairros de madrid, entre as casas dos grandes intelectuais, politicos, médicos. Que bom que exista aqui também espaço para a arte.

Finalmente chego o grande portão verde de madeira rija, com a tinta a descascar e uma delicada mão em bronze a servir de campainha, nele uma porta mais pequena se desenha, entro. Até hoje, sempre, sem excepção, tropeço ao entrar, pois está um pouco elevada do chão, então tenho que erguer as pernas, como se trespaçasse um mini vedação. Eis que estou noutro universo subitamente. Ao tropeçar e entrar neste espaço escuro, fresco e amplo sou invadido por uma estranha nostalgia que ainda não percebi bem. Ao fundo um pátio cuja vegetação está quase em estado selvagem, dominando todo o cenário. Sempre escuto música, maioritariamente jazz, vindo como que de um andar muito alto, ecoando pelo pátio encerrado pelas quatro paredes do prédio. Que interessante conceito arquitectonico, para mim, que por esta hora estou tomado pela poesia deste intrigante local.

Eis a minha parte favorita do dia: subir no velho ascensor.
hmmm, mecânica e electricidade básica em estado puro... delicioso.
Pressiono o botão, quase que sinto o circuito a disparar e chegar ao receptor que, prontamente, activa o ascensor. E lá vem ele a descer, elegante.
Amortece a sua velocidade. Abro a grade, abro as duas portas de madeira com vidros, muito leves. Madeira, que lindas madeiras, como todos os mecanismos funcionam tão bem e delicadamente. Entro e fecho tudo religiosa e simétricamente. Centro-me no elevador e escolho o meu destino, o ultimo andar (como sempre preferi). E começa a viagem. Que delicia... Mal me lembro que estou prestes a entrar noutro universo.

Saio, e dirigo-me para a porta. Abro.
De súbito estou como na sala de espera entre o ceu e o inferno, ou uma sala neutra no meio de uma mansão assombrada. Estou num hall com cerca de 8x8 metros, sem janelas, apenas uma pequena mesa com um belo candeeiro a encher o espaço de uma luz muito laranja, está sempre ligado este. Não se ouve nada. Detenho-me sempre a sentir o espaço. Sou novamente invadido por sensações de criança, sinto desejo por sentir mistério, medo. Que lugar tão estranho. Sinto como se estivesse nas margens desvastadas por bombas de dois paises em guerra, e no meio das crateras, e esta sala estava misteriosamente colocada no meio deste cenário, neutra, limpa, politicamente correcta, graciosa, misteriosa. 4 portas, duas de cada lado, perfeitamente simetricas. Uns pauzinhos perfunham o ar de uma doce fragrância, qual rara especiaria ou perfume da india, fruto do trabalho de mãos de tribos selvagens (estranha e subtilmente sinto esta herança de colonizador, de descobridor, de pertencer a uma sociedade culturalmente "superior", que coisa estranha).

Depois de abrir 3 boas fechaduras, abro a porta, e eis que entre neste espaço de trabalho, como um bunker secreto onde as tropas cansadas e moribundas se podem recolher, restabelecer e traçar novos planos, usufruindo dos seus modernos aparelhos tecnológicos e outros pequenos prazeres. Estou a trabalhar aqui, apenas isso, em breve não estarei. Que interessante conceito o desta produtora. Me encanta. Sou assaltado por esta ideia de ter que desenvolver mais o meu sentido crítico e politico. Preparo o estaminé quase religiosamente: abro a janela, ligo o ar, o computador, monitores, colunas. Tiro um café e fumo á janela. Entro e começo o meu trabalho. Que prazer me dá o de me sentir parte de um plano. Responsável por algo que irá contribuir para o objectivo do trabalho.

hmmmmm, estou invadido de poesia
ficarei por aqui por enquanto