quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

A Sociedade do Espectaculo - Parte 22

Um dia, tinha eu os 7 ou 8 anos - lembro-me perfeitamente - estava a passear com os meus avós e passamos por uma menina cigana também com os 7 anos a pedir esmolas em troca dos seus talentos musicais ao acordeão. A minha avó deu-me uma moeda para dar à menina, e todo vaidoso atirei a moeda em estilo de truque, como via nos filmes e bandas desenhadas, catapultando-a no ar com o polegar e fazendo-a girar até cair em cheio no pote de moedas.

A minha avó repreendeu-me com o dedo indicador erguido em frente aos lábios "isso não se faz, é muito feio!". Obrigou-me a ir pedir desculpa à menina e dar-lhe um beijo, juntamente com outra moeda entregue em mãos. Ensinou-me - vagamente - o que era a humildade e a bondade.

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Hoje, num estádio de futebol, antes de uma partida, num "acto heróico e solene que demonstra que ainda existe esperança e bondade na humanidade" as claques atiram/arremessam/jogam brinquedos para o relvado - com a mesma brutalidade como quando atiram isqueiros, cadeiras ou petardos - para estes serem recolhidos para caridade, 51 363 pessoas filmam e fotografam, as redes sociais deliram com a nobreza deste acto, os likes disparam, "Humankind <3" lê-se no título dos vídeos. "AMEN" lê-se no comment mais votado.

"  <3  "

Os que mendigavam à porta do estádio nessa noite, mendigaram nas noite seguintes também.
Os sem abrigo que dormiam nas escadas do metro onde as claques passaram continuam a dormir nas mesmas escadas. Mas agora tinham ursinhos de peluche!!
Ah, e provavelmente a condição da menina cigana também não foi revolucionada...

A indiferença transforma-se numa nova virtude e é socialmente legitimada com novos gestos e códigos pelos embaixadores da bondade, armados de ursos de peluche e smartphones.
É curiosa a similaridade entre os gestos de descartar e ajudar. Curiosa e negra, sádica.

" <3 humankind "


#catch22


segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

 ‘A narrativa é inadequada para transmitir factos e verdades.’ Barthes.
‘the text is most informative when it deviates unpredictably from one of its
codes, creating effects which stand out against this uniform background’.

Terry Eagleton.

 ‘A dust-cloud of meaningless signs capable of conspiring against visual convictions
(...) Don’t pretend to mean this or that. (...) It’s the formal structure
 that creates drama.’
John Smith