terça-feira, 28 de novembro de 2017

Carta para um amigo

... one should allways speak what’s in one’s heart… Ou pelo menos assim nos incita a nossa educação “romântica” e as músicas que cantamos de goelas abertas nos festivais, “speak your mind!” e não sei quê. A nossa tendência em romanticizar aspectos da vida eminentemente ambíguos e pulsionais, e dessa forma conseguir lidar de uma forma aparentemente mais saudavel com o facto de não compreendermos as nossas próprias emoções, é, numa primeira camada, divertida, entretem, numa segunda ate pode parecer interessante, porque de repente há uma série de experiencias e palavras comuns entre as pessoas, mas numa camada mais profunda - ou numa anticamada - afigura-se absolutamente pointless, waste of time. Um esforço entropico, mas do qual resulta, inegavelmente, boa música e arte interessante. Portanto podes ir por aí, viver esse sofrimento, sentires compaixão ou empatia por quem parece sentir algo parecido, juntos fortalecerem esse simpatia e acharem novas palavras e formas de falar sobre ela, sublimar essa cena em música ou poesia, whatever, parece-me bem, e muitas pessoas parece que se dão bem a lidar com as coisas assim. 

Mas neste momento eu não sou a pessoa para chorar contigo. Apenas te posso disruptar (esta palavra não existe, mas vem de disruptivo/disrupção), o que me parece muito mais divertido e amigo. Pelo menos eu cada vez mais admiro e estimo as pessoas que de uma forma gentil e graciosa desvalorizam os meus complexos sentimentais e episódios Freudianos, riem-se deles, e me mostraram como tantas outras coisas incríveis aconteceram por aí ao mesmo tempo que eu andava tão perturbado e negro, e como a beleza da vida está em não saber o que vem a seguir, no imprevisto, na aventura, e na transformação. Já não me esforço muito para compreender certos fenómenos, ocorrências, arbitrariedades, e coisas de uma forma a que mais tarde as possa explicar às pessoas. Eu próprio já nasci e renasci demasiadas vezes. Palavra que sinto mesmo isso.

Compreendo que te sintas revoltado por não teres exteriorizado esse sentimentos na respectiva altura, eu também tenho episódios passados confusos na minha memória, todos temos. inícios sem fins, coisas que não aprazam. e que volta e meia me arreliam, mas só assim é quando eu estou mesmo entediado, tipo marasmo. Mas cada vez mais me molestam menos simplesmente porque aprendi a aceitar que sou um ser pulsional e temperamental em constante transformação, e que a origem destas pulsões transcendem 1- a minha capacidade cognitiva em compreende-las dentro de um sistema logico de causa-efeito que possa facilmente ser comunicavel por palavras (aquilo me mais me fascina é a capacidade da imaginação renderizar obsoleta esta necessidade lógica de causa-efeito para explicar ou representar uma coisa, tipo um filme do Lynch ou Tarkovsky ou Apichatpong) 2- e a minha vontade em despender tempo para tentar compreende-las com base no que outras pessoas viveram e escreveram.

Simplesmente já não me apetece gastar energia a pensar nisso. Volta e meia posso fazê-lo, mas é tipo um velho hábito, como acabar de fumar um cigarro e tentar catapultar a ponta o mais longe possível usando apenas o dedo do meio e o polegar. Um exercicio. Prefiro direccionar essa energia para a minha criatividade, de alguma forma. Até porque isto tudo é absolutamente insignificante comparado com a imensidão do cosmos e a propagação e dilatação do espaço-tempo. Pode-nos ajudar a criar sistemas de compreensão, chama-lhe psicologia ou psicanálise, mas no fundo parecem-me formas diferentes de fazer a mesma coisa, e essa coisa hoje parece-me simplesmente redundante, desinteressante, inócua, improdutiva, desactualizada.

Com isto tudo não quero dizer que me estou a cagar para os teus sentimentos. Recebi-os com estima e estima-los-ei. 
Espero ter-te estimulado a superar as tuas mágoas e avançar em frente rumo ao desconhecido. O belo desconhecido.

Há que ser pragmático. Reconhecer a carência que nos está a levar a querer ressuscitar sentimentos e fantasmas mais-que-mortos do passado, enumerar soluções, escolher uma - a mais pulsional, e seguir rumo a uma nova metamorfose. 

Felizmente há luar!

terça-feira, 21 de novembro de 2017

notas rápidas após visualização de "the square" de Ruben Östlund

sarrabiscos pós filme: 

deve ser dos raros filmes em que o realizador conseguiu não fazer bosta ao querer falar de 1000 coisas ao mesmo tempo, antes pelo contrário, é um chapadão de filme.

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(a propósito da dialéctica entre o ringue onde as miudas dançam e o “quadrado”, obra de arte propriamente dita) se há coisas que a vida naturalmente parece fazer bem, porque é que a arte as tentará substituir? substituir/representar. Mercado + Arte = desastre, está predestinado )

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Parece que hoje em dia somos cúmplices de muitas coisas para as quais não estamos preparados para compreender. Preparados digo, com a mente preparada, clara, calma, e livre de vícios ou tendências que a possam distrair da sua real ambição, contemplar.

Socialmente às vezes é exigido à pessoa que tome uma posição política em relação a certas questões, e que essa escolha acarrete a sua total honra e integridade, que o homem fale do coração! Certas questões que nem sempre necessariamente se manifestam no seu ecossistema, apenas nos seus ecrãs, nas imagens, nos ícones. - REJECT FALSE ICONS - Digo compreender naturalmente, sem esforço, sem a coisa se afigurar como confusa, ou doutro planeta. Há muitos processos de identificação no contemplar, mas com a vantagem de não existir necessariamente o medo associado. Muito mais do que noutros tempos, acredito.  E como? Através das tecnologias da informação, dos Media claro. Fomos desde cedo na nossa educação bombardeados com imagens das quais não nos era exigida uma tomada de posição em relação ao conteúdo das mesmas, então cada um de nós se relacionou com estas na sua pessoalidade. Fomos habituados a contemplar a desgraça e a maravilha, o horror e o sucesso dos outros no conforto da nossa bolha, que desde o alto contempla o mundo, na sua fragil mas imperturbavel segurança. Com a maior das tranquilidades, com a maior da indiferença, uma vez que algumas destas pessoas ou locais já nem existem. Apenas com um sentido romântico de "como teria sido viver tal coisa...". E usufruimos emocionalmente dessas imagens, janelas, miragens para dentro da vida de pessoas ou para dentro de situações confusas, estranhas… injustas… incorrectas… imorais… Mas, que no fundo, não nos dizem nada, não partilhamos o mesmo espaço, não interagimos, apenas vemos retratos uma da outra. E eis que cada vez mais o espectáculo* está instalado e domina. As imagens mercadoria dominam-nos, o Debord tinha razão. O bom senso foi meticulosamente estudado e está sob constante e cuidada vigia.
*Debord 

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metáfora filosófica barata do dia: somos educados para ser espectadores, e não para ser actores. Somos educados para aplaudir, não para conquistar. O bom actor é o Eremita Mercenário que vive e sobrevive sozinho na sua quinta auto-sustentável no meio das montanhas, que conhece melhor a rede hidrográfica da sua montanha do que se lembra do seu próprio nome. O bom espectador é o beto do facebook instagram whatevershit, o gajo que não sai do ninho, o gajo que condena publicamente os campos esgotados da exploração do oleo de palma mas não resiste a comprar bolachinhas digestivas e nutella. Apesar de não fazer ideia de quem é, de onde veio, e o que quer, discute ferozmente questões sociais e políticas, seja sobre coisas que ele conhece ou sobre coisas que nunca irá sequer testemunhar, e aponta o dedo com o maior sentido de condenação perante situações apenas superficialmente confusas, como uma fina camada de lodo na superfície do lago profundo e cristalino, que de forma muito leve e graciosa pode ser removida. 

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Quando pedem a um espectador que se levante, das duas uma, ou se vai rir como um parvo ou vai rubrar de vergonha, fazendo de conta que não é consigo a conversa. Mas eis que o espectador fala sobre coisas que não viveu. chegou o tempo em que o espectador se emancipou, em que constrói e veste um personagem e o joga no mundo, com a mesma arbitrariedade que o criador do universo.

Mas prevalece o tempo em que depois da morte não há respawn… Essa é certa.






...Ou será que vai haver?...