quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Suja as mãos, de vez em quando!

Em que momento da nossa história surgiu a necessidade de contar histórias? De onde germinou essa necessidade? Esta é uma das questões que ultimamente me têm invadido a consciência e procuro com este texto não explicar esta questão recorrendo a factos históricos e científicos, nem mesmo a uma pesquisa muito extensa, mas antes, a partir do meu saber que aqui partilho convosco de uma forma mais ou menos clara, procurando compreender esse desejo e aplica-lo numa breve reflexão sobre a sociedade dos nossos dias.

Segundo Schopenhauer, a tomada de consciência da inevitabilidade da morte foi o que levou o Homem a questionar as coisas, e o que nos distingue dos outros animais (não querendo com isto superiorizar-nos em relação a estes, talvez antes pelo contrário!) é o facto de, ao contrário destes, o nosso instinto e intelecto não caminharem a par no mesmo sentido e sem se chocarem. Ao tomar consciência da sua existência rapidamente o Homem interpretou e significou a natureza, os seus fenómenos, e a sua própria conduta e sociedade. Na essência do querer contar histórias (essência essa que creio ser também partilhada com a comunicação) está primeiramente o aperfeiçoamento dos meios de sobrevivência que garantam os meios de sobrevivência biológica e a garantia que estes são mantidos ao longo dos tempos e das gerações.

Agora que penso, acredito que a primeira “crise existêncial” téra sido algo como isto:

Confrontado com a inevitabilidade da morte o Homem encontra o seu “sentido de vida” no participar no desenvolvimento da sua sociedade, acreditando que as suas criações, o seu trabalho e própria experiência/existência, ao contrário do seu corpo, sobreviverão aos tempos e transformar-se-ão em conhecimento e sabedoria. Faço notar que o cenário que imagino aqui enquanto escrevo remonta a tempos passados, ao Homem das Cavernas. Se existe obra, a meu ver, que mais magnificamente retrata isto é a cena de “2001: Uma Odisseia no Espaço” de Kubrick, quando os símios descobrem uma “arma” (um osso) e o seu poder destruidor. Um dos símios atira essa arma ao ao ar e através de um corte e enorme elispse somos transportados para o futuro e vemos naves espaciais a flutuar no espaço. Aquele símio morreu, mas a sua “vontade” imortalizou-se, a vontade de dominar, reflectindo-se em todos os desenvolvimentos humanos, milhões de anos mais tarde.

Voltando atrás:

As histórias permitiam assim ás novas gerações “saltar” a fase de experimentação que as gerações passadas viveram, e prosseguirem com o seu desenvolvimento. Por este motivo Huxley dizia ter milhões de anos, e não 40 ou 50. Contudo, e começo a chegar a um ponto interessante que umas leituras de H. D. Thoreau me introduziram, talvez tenhamos chegado a um ponto em que vivemos demasiado longe desse contacto fisico com a natureza, a partir do momento em que dependemos do dinheiro para satizfazer as nossas necessidades, desconhecendo processos de sobrevivência naturais e toda a “poesia”, se lhe posso chamar de tal coisa, de um contacto próximo com a natureza. (isto dava pano para mangas, portanto vou saltar, lanço apenas esta ideia para o ar. Sugiro o livro “Walden” ou “Ensaio sobre a Desobediência Civil” do autor acima citado.)

Se num primeiro momento as historias (e mesmo a Arte) serviam para partilhar conhecimentos e estabelecer códigos sociais e todos os alicerces ideológicos de uma sociedade, acredito que num segundo momento essa vontade terá surgido quando o Homem tomou consciência das multiplas formas que a sociedade humana podia tomar, baseadas em diferentes sistemas de interpretação, significação, juízo moral, etc, quando se deparou com sociedades completamente diferentes da sua. Por esta altura novos elementos começariam a entrar nas histórias, principalmente a moral e o conceito de Verdade. (Aqui reside um outro ponto de particular interesse para mim).

A nossa história (a que aprendemos na escola e lemos nos livros) é feita de conflitos. “Não há história sem conflito”, dizia á uns tempos o meu Professor de argumento contra o meu cepticismo em relação á abordagem um quanto “industrial” que sentia no tratamento dos argumentos cinematográficos. Mas acho que tem razão. A partir do momento em que não existe conflito creio que entramos no universo da poesia e da Arte “pura”, onde a palavra ou o signo não servem propósitos puramente comunicacionais. Mas detenho-me de começar a divagar sobre esta ideia e de “O que é a Arte”, este texto já vai longo e não sei bem onde vou chegar!

Agora entremos na idade Contemporânea, em que o saber e a verdade parecem coisas imutaveis e propriedade de uma identidade quase sagrada e invisivel chamada de... Media, talvez? (aqui reduso o conceito de Media apenas áquele que pretende “orientar o pensamento e as opiniões dos povos na direcção desejada pela classe dominante.”)
Acho que ao longo dos tempos tendemos a separar-nos mais da terra, como disse uns paragrafos antes, da experiência física e concreta, para vivermos no imaterial, no “fantástico”, ou como Debord dizia, no “Espectáculo”. Acredito que quanto mais longe vivermos das nossas necessidades, quanto menos consciência tivermos de como são alimentadas estas, menos humanos nos torna-mos e mais facilmente nos mergulhamos numa sociedade mais consumista, controlada e “mascarada”. Hoje o dinheiro satizfaz com imediaticidade e até uma certa vulgaridade as nossas necessidades, a televisão, revistas, media, cultura popular, etc, entretêm-nos, as roupas, vocabulário e hábitos definem-nos até á essência. Recordo-me que á dias queria comprar umas calças, pois as minhas estavam rotas, e a mulherzinha da loja, muito inocente, apresentou-me umas todas rasgadas e com manchas de sabes-se lá o quê. Perante a minha angústia tentou consolar-me com toda a sua sinceradade “Mas é o que se usa agora! O estilo rockeiro vai voltar a ser muito usado este outono!”. Enfim... Isto tudo, a meu ver, é “espectáculo”, e partilho um texto de Debord que me assombra

“O espectáculo é a conservação da inconsciência na modificação prática das condições de existência”; “O espectáculo diz: O que é bom aparece, e o que aparece é bom.”

Digo que me assombra pois vejo mutos próximos meus, colegas e até família, que vivem nesse mundo “espectacular”, que não são capazes de reconhecer outras formas de existência, ou divertimento, felicidade, etc, além daquelas que vêm em superabundância á sua volta.

Das multiplas formas que a Arte pode assumir (recordo que sou um homem do Cinema), neste momento a que mais me seduz é aquela que que procura não impor uma lição ou mensagem,  mas antes, como Rancière em “O Espectador Emancipado” me fez notar, aquela que seja produto de uma qualquer forma de consciência distinta da minha, de uma intensidade de sentimento, seja mais mistico ou político. Claro que agora surge outra questão, a da causa-efeito que alguns artistas e “businessmen's da arte” impõe ou imposeram, que o que artista criou tem que ser o que o observador sente, e se este não sentir o mesmo é porque é um inculto. Não aceito isto, é puro pensamento mercantilista e manipulador. Alguns colegas diziam-me á uns anos, perante uma obra de arte qualquer, que não percebiam nada, pois eles estavam completamente iludidos nessa cultura do espectaculo, e se não conseguem ver ou sentir nada é porque não se permitem a fazer isso. Adoro a seguinte frase: “Um ignorante pode ensinar a outro ignorante aquilo que ele próprio não sabe”. Temos que nos emancipar enquanto espectadores, cidadãos e criadores, assim como, e isto são novamente influências de Thoreau, viver mais próximos das fontes que saceiam as nossas necessidades e nos propiciam prazer, e percebe-las. Viver sempre com um pé na terra, não no sentido bacoco de “não ter ideias extravagantes que ponham em causa o tédio da “realidade”” mas sim neste sentido de nos mantermos próximos da natureza, “sujar as mãos na terra”. Ahh! E permitá-mo-nos também algum misticismo! Hoje em dia as minhas experiências mais poéticas e de um domínio realmente transcendente provêm de interpretações misticas da realidade.

Termino este confuso texto com uma frase que apanhei á dias não sei onde:
“A experiência, e não a verdade, é o que dá sentido à escritura”. No lugar de escritura sugiro Arte, ou mesmo Vida.