quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

notas sob(re) o mar

nao tenho mais moral
nem aquele ardor poetico

nao tenho quaisquer expectativas
em relação a coisa alguma

nem mesmo medo ou sensatez, tão pouco probidade ou razão
nada, apenas admiração pelo mar

sinto que perdi um sentido
ou parte da consciência

a minha memória também parece ter-se autonomizado de mim
trabalha por conta própria, serve outro mestre qualquer...

as vezes acho que estou completamente à deriva
suspenso por um fio enquanto o mundo roda sob os meus pés, imprevisivel

e eis-me aqui, a vê-lo a rodar, eu, a minha individualidade
eu, tão só e somente eu, e o meu corpo inanimado

vejo e sinto o vento soprar, lá do longe
da ponta de um horizonte até à outra

vejo os limites fisicos da paisagem
e, povoando os espaços vazios, corpos agitados a gesticular e emitir sons

o que antes parecia tão cheio de sentido e misticismo
agora é apenas um superfície que reflecte luz

o potêncial de significação ainda está lá, certamente
e quão belas as histórias que inspira e sugere!

mas... para quê contá-las se elas não forem vividas?
talvez afinal não seja um bom actor, ou um bom humano no geral

o mar está horrivelmente pesado e agitado
o horizonte está infinitamente negro, o oxigénio está salgado

o mantra sonoro do mar perfuma o ar de bruta violência e caos
este manto pesado castiga a costa, atrai os curiosos pela morte, inspira um respeito arcaico

é pena nenhuma outra alma ter vindo admirar este colosso
quão bela e sublime a sua devastadora força...

fico feliz por ainda sentir este encanto
e percebo o porquê de estar no mar

nas profundezas abismais da terra
nos insondáveis vazios do cosmos

onde a luz ainda não chegou
no desconhecido

em breve o sol nascerá,
outra, e outra, e ainda outra vez