sábado, 5 de dezembro de 2015

o homem que recomeçava e regressava para o mesmo, e o amanhecer que entretanto ainda não chegou

estava a recomeçar,

a noite avançava
já não com a típica lentidão
mas antes, apressada
o sol ia nascer, eventualmente
as pessoas iam embora, eventualmente
cada qual para o seu conforto
cada qual com o seu parceiro
sim, o sol ia nascer, eventualmente...
isso deixava-o ansioso, receoso...
mas la ia, arrastando-se

o ar estava denso de humidade
a humidade estava laranja das luzes da estrada
a estrada estava negra, riscada de sombras pesadas e rostos viciados
la continuou, "ainda é cedo", pensou
mas não conseguiu iludir-se
o velho truque perdia o efeito
vai amanhecer rapidamente, sem dúvida...

os corpos dançavam, loucos, em extase
outros corpos estavam mortos
apenas olhavam e faziam sons com a boca
palavras desconexas, improvisos decorados
o piloto automático de quem não tem mais força
ele estava sem força, mas não conseguia falar
preocupava-o mais o amanhecer
esse guardador de rebanhos, analgésico, purificador

e se o sol não nascesse?
aí sim, apesar do titânico e inexplicável caos
ele estaria seguro, capaz, confiante, apesar da promessa de morte súbita
sentia-se o homem mais capaz de lidar com o desconhecido,
o inesperado, o irreal, uma força cósmica negra
devastadora, capaz de desconstruir o tempo e as dimensões
quanto a desejava... com que medo e desejo olhava para o ceu negro
e o imaginava a contorcer-se, a implodir e dilatar
a devorar todas as concepções do possivel

a puta da ultima paragem do autocarro é sempre a mesma
plantada à beira do mar, vasto, pesado, salgado, negro
os sons começam a soar familiares,
ainda o dia não nasceu, e já se lamenta
outra vez isto...
outra vez estes sons, estes passos, este caminho
outra vez esta humidade salgada, esta melancolia,
outra vez esta solidão, estes lábios gretados, este joelho queixoso
outra vez a recomeçar o mesmo começo outra vez..

porque te mexes, corpo? para onde me estás a levar?
o que queres? descansar? desgraçada máquina biológica..
porque inspiras e anseias tu mais do que podes sentir?
anseio, finitude, solidão, recomeço...
que triste deve isto ser
aos olhos dos olhos saudaveis
que nao temem o amanhecer

pudesse um dia o dia não nascer
e ser devorado, rasgado,
engolido por um desconhecido prazer
só pela curiosidade de sentir não temer o amanhecer
nahh, que se foda a curiosidade, é só mesmo pelo prazer, e pela raiva
pelo orgasmo e a destruição
frio, doentio, blasfémico

estou a regressar



memoria cantada do medo do infinito recomeço e regresso, por um homem que regressava pela estrada, (des)animado sabe lá porque força, talvez apenas sede de poesia. ainda assim não conseguiu escrever o que queria, mas aqui fica o rascunho de algo, um improviso sem ambição, um exercicio de imaginação, uma prova de pobreza verbal, uma experiência de imprevisto, acidente, espirali niilista, formalismo, #comunicação, uma merda qualquer
estou farto de ti

https://www.youtube.com/watch?v=hkATLofJohE




quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

nos tal gia

o homem sentou-se ao fim do dia
cansado, viciado, sozinho
lembrou-se de um dia em que se sentiu feliz
um dia em que acordou mais cedo, sem sono
todos estavam a dormir no chão, envoltos em cobertores e almofadas
aconchegados, leves, felizes
talvez todos juntos num só sonho, em aventuras
ela também estava lá, dormia como um anjo, linda
o vermelho do cobertor envolvia-a num calor perfumado apaixonante
as luzes de natal iluminavam tenua e calorosamente a sala
iam acendendo e apagando em fade, num ritmo lento alaranjado
o dia estava a nascer, calmo, lento, limpo
lembrou-se de pôr uma música, baixinho
foi a felicidade que lhe tirou o sono, apercebe-se
estava demasiado feliz e apaixonado para conseguir dormir
que emoção, que memória tão linda e gratificante

e agora
agora está cansado, viciado, sozinho
mas lembrou-se daquela música
e a felicidade voltou, engomou-lhe o sono e secou-lhe a mágoa

vai dormir e sonhar agora
depois de um cigarro, claro...

ai ai...

https://www.youtube.com/watch?v=V4hvB3sTqCw