sexta-feira, 2 de setembro de 2016

notas cinematográficas #1

Mais do que histórias interessantes para contar precisamos de histórias com potêncial de serem Cinematograficamente interessantes de contar. E o objectivo do DoP é tirar o melhor partido desse potêncial.

O realizador e o argumentista devem ter tantas soluções e ideias visuais quantas soluções e ideias da ordem do plot/história/conteúdo.

Porque no cinema o que torna uma história realmente interessante é a forma como se renderiza visualmente, é a qualidade da sua Narrativa Visual, estabelecida através da transformação e variação da expressividade dos seus recursos dramáticos ao longo do tempo fílmico.

Hoje prefiro fazer um filme menos falado e com uma história mais "banal" e simples do que um filme altamente dialogado com as ideias politicas e intelectuais mais pioneiras e as referências mais rebeldes e cultas, se a simplicidade do primeiro se justificar na medida em que a sua maior aposta está na sua riqueza e eficiência visual.

O cinema é a arte de contar histórias com imagens, mas muitos realizadores parece que se esquecem disso. E um bom Director de Fotografia não pode salvar um filme que não foi pensado visualmente. Pode somente torna-lo tecnicamente "apreciável".

O gozo de fazer Cinema é semelhante ao gozo de jogar Xadrez, está no definir estratégias e achar tácticas (visuais e sonoras) eficientes o suficiente para, mesmo perante momentos mais ambíguos ou polissémicos, o público melhor perceber e mais se envolver no filme.

Sim, acredito que o público percebe melhor um filme com uma temática ou enredo aparentemente mais "confuso" desde que o seu conflito se desenvolva visualmente, desde que tenha uma Narrativa Visual estimulante (recordo o 2001: uma Odisseia no Espaço ou até o Apocalypse Now). E quando digo desenvolver visualmente não digo no sentido de simplesmente descrever mecânicamente uma acção. Falo do jogo da composição, da iluminação, da potência dialéctica da montagem, etc. E estes elementos não podem ter medo de desafiar a diegése ou um senso comum de verosímil. Isso é destituir o cinema da sua potência fundamental. Como dizia o Baudelaire: "O que não é um pouco distorcido não tem apelo emocional; disso se segue que a irregularidade - isto é, o inesperado, a surpresa e o espanto, são uma parte essencial e característica da beleza"

Oh Realizador ou Argumentista, sempre que sentirem necessidade de pôr um personagem a falar pensem primeiro na função dessa fala (é para evidenciar alguma particularidade da psicologia do personagem?), depois pensem "será que consigo renderizar isto visualmente e evitar esta fala? De que forma? Enquadrando-o num fundo preto e a outra personagem num fundo branco? Usar uma 150mm, afastar-me e filma-lo a andar de forma a que a sua proporção dentro do ecrã esteja peculiar, dando ainda a sensação que parece não estar a saír do sítio?"... Além de ser um exercício criativo muito mais estimulante acredito que o filme vai saír a ganhar, sempre.