quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Suja as mãos, de vez em quando!

Em que momento da nossa história surgiu a necessidade de contar histórias? De onde germinou essa necessidade? Esta é uma das questões que ultimamente me têm invadido a consciência e procuro com este texto não explicar esta questão recorrendo a factos históricos e científicos, nem mesmo a uma pesquisa muito extensa, mas antes, a partir do meu saber que aqui partilho convosco de uma forma mais ou menos clara, procurando compreender esse desejo e aplica-lo numa breve reflexão sobre a sociedade dos nossos dias.

Segundo Schopenhauer, a tomada de consciência da inevitabilidade da morte foi o que levou o Homem a questionar as coisas, e o que nos distingue dos outros animais (não querendo com isto superiorizar-nos em relação a estes, talvez antes pelo contrário!) é o facto de, ao contrário destes, o nosso instinto e intelecto não caminharem a par no mesmo sentido e sem se chocarem. Ao tomar consciência da sua existência rapidamente o Homem interpretou e significou a natureza, os seus fenómenos, e a sua própria conduta e sociedade. Na essência do querer contar histórias (essência essa que creio ser também partilhada com a comunicação) está primeiramente o aperfeiçoamento dos meios de sobrevivência que garantam os meios de sobrevivência biológica e a garantia que estes são mantidos ao longo dos tempos e das gerações.

Agora que penso, acredito que a primeira “crise existêncial” téra sido algo como isto:

Confrontado com a inevitabilidade da morte o Homem encontra o seu “sentido de vida” no participar no desenvolvimento da sua sociedade, acreditando que as suas criações, o seu trabalho e própria experiência/existência, ao contrário do seu corpo, sobreviverão aos tempos e transformar-se-ão em conhecimento e sabedoria. Faço notar que o cenário que imagino aqui enquanto escrevo remonta a tempos passados, ao Homem das Cavernas. Se existe obra, a meu ver, que mais magnificamente retrata isto é a cena de “2001: Uma Odisseia no Espaço” de Kubrick, quando os símios descobrem uma “arma” (um osso) e o seu poder destruidor. Um dos símios atira essa arma ao ao ar e através de um corte e enorme elispse somos transportados para o futuro e vemos naves espaciais a flutuar no espaço. Aquele símio morreu, mas a sua “vontade” imortalizou-se, a vontade de dominar, reflectindo-se em todos os desenvolvimentos humanos, milhões de anos mais tarde.

Voltando atrás:

As histórias permitiam assim ás novas gerações “saltar” a fase de experimentação que as gerações passadas viveram, e prosseguirem com o seu desenvolvimento. Por este motivo Huxley dizia ter milhões de anos, e não 40 ou 50. Contudo, e começo a chegar a um ponto interessante que umas leituras de H. D. Thoreau me introduziram, talvez tenhamos chegado a um ponto em que vivemos demasiado longe desse contacto fisico com a natureza, a partir do momento em que dependemos do dinheiro para satizfazer as nossas necessidades, desconhecendo processos de sobrevivência naturais e toda a “poesia”, se lhe posso chamar de tal coisa, de um contacto próximo com a natureza. (isto dava pano para mangas, portanto vou saltar, lanço apenas esta ideia para o ar. Sugiro o livro “Walden” ou “Ensaio sobre a Desobediência Civil” do autor acima citado.)

Se num primeiro momento as historias (e mesmo a Arte) serviam para partilhar conhecimentos e estabelecer códigos sociais e todos os alicerces ideológicos de uma sociedade, acredito que num segundo momento essa vontade terá surgido quando o Homem tomou consciência das multiplas formas que a sociedade humana podia tomar, baseadas em diferentes sistemas de interpretação, significação, juízo moral, etc, quando se deparou com sociedades completamente diferentes da sua. Por esta altura novos elementos começariam a entrar nas histórias, principalmente a moral e o conceito de Verdade. (Aqui reside um outro ponto de particular interesse para mim).

A nossa história (a que aprendemos na escola e lemos nos livros) é feita de conflitos. “Não há história sem conflito”, dizia á uns tempos o meu Professor de argumento contra o meu cepticismo em relação á abordagem um quanto “industrial” que sentia no tratamento dos argumentos cinematográficos. Mas acho que tem razão. A partir do momento em que não existe conflito creio que entramos no universo da poesia e da Arte “pura”, onde a palavra ou o signo não servem propósitos puramente comunicacionais. Mas detenho-me de começar a divagar sobre esta ideia e de “O que é a Arte”, este texto já vai longo e não sei bem onde vou chegar!

Agora entremos na idade Contemporânea, em que o saber e a verdade parecem coisas imutaveis e propriedade de uma identidade quase sagrada e invisivel chamada de... Media, talvez? (aqui reduso o conceito de Media apenas áquele que pretende “orientar o pensamento e as opiniões dos povos na direcção desejada pela classe dominante.”)
Acho que ao longo dos tempos tendemos a separar-nos mais da terra, como disse uns paragrafos antes, da experiência física e concreta, para vivermos no imaterial, no “fantástico”, ou como Debord dizia, no “Espectáculo”. Acredito que quanto mais longe vivermos das nossas necessidades, quanto menos consciência tivermos de como são alimentadas estas, menos humanos nos torna-mos e mais facilmente nos mergulhamos numa sociedade mais consumista, controlada e “mascarada”. Hoje o dinheiro satizfaz com imediaticidade e até uma certa vulgaridade as nossas necessidades, a televisão, revistas, media, cultura popular, etc, entretêm-nos, as roupas, vocabulário e hábitos definem-nos até á essência. Recordo-me que á dias queria comprar umas calças, pois as minhas estavam rotas, e a mulherzinha da loja, muito inocente, apresentou-me umas todas rasgadas e com manchas de sabes-se lá o quê. Perante a minha angústia tentou consolar-me com toda a sua sinceradade “Mas é o que se usa agora! O estilo rockeiro vai voltar a ser muito usado este outono!”. Enfim... Isto tudo, a meu ver, é “espectáculo”, e partilho um texto de Debord que me assombra

“O espectáculo é a conservação da inconsciência na modificação prática das condições de existência”; “O espectáculo diz: O que é bom aparece, e o que aparece é bom.”

Digo que me assombra pois vejo mutos próximos meus, colegas e até família, que vivem nesse mundo “espectacular”, que não são capazes de reconhecer outras formas de existência, ou divertimento, felicidade, etc, além daquelas que vêm em superabundância á sua volta.

Das multiplas formas que a Arte pode assumir (recordo que sou um homem do Cinema), neste momento a que mais me seduz é aquela que que procura não impor uma lição ou mensagem,  mas antes, como Rancière em “O Espectador Emancipado” me fez notar, aquela que seja produto de uma qualquer forma de consciência distinta da minha, de uma intensidade de sentimento, seja mais mistico ou político. Claro que agora surge outra questão, a da causa-efeito que alguns artistas e “businessmen's da arte” impõe ou imposeram, que o que artista criou tem que ser o que o observador sente, e se este não sentir o mesmo é porque é um inculto. Não aceito isto, é puro pensamento mercantilista e manipulador. Alguns colegas diziam-me á uns anos, perante uma obra de arte qualquer, que não percebiam nada, pois eles estavam completamente iludidos nessa cultura do espectaculo, e se não conseguem ver ou sentir nada é porque não se permitem a fazer isso. Adoro a seguinte frase: “Um ignorante pode ensinar a outro ignorante aquilo que ele próprio não sabe”. Temos que nos emancipar enquanto espectadores, cidadãos e criadores, assim como, e isto são novamente influências de Thoreau, viver mais próximos das fontes que saceiam as nossas necessidades e nos propiciam prazer, e percebe-las. Viver sempre com um pé na terra, não no sentido bacoco de “não ter ideias extravagantes que ponham em causa o tédio da “realidade”” mas sim neste sentido de nos mantermos próximos da natureza, “sujar as mãos na terra”. Ahh! E permitá-mo-nos também algum misticismo! Hoje em dia as minhas experiências mais poéticas e de um domínio realmente transcendente provêm de interpretações misticas da realidade.

Termino este confuso texto com uma frase que apanhei á dias não sei onde:
“A experiência, e não a verdade, é o que dá sentido à escritura”. No lugar de escritura sugiro Arte, ou mesmo Vida.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

o belo, instintivamente escrito

para mim o belo é

quando conseguimos sentir os diferentes prazeres das diferentes realidades e tempos. como quando se toca uma valsa de mozart e se é transportado para um idílico jardim de um palácio do séc XVIII.

a capacidade de conseguir ser livre. a liberdade não é um produto ou atributo, mas sim uma pré disposição. Ser livre é ter força, determinação, coragem, e vontade para nos alhearmos dos outros sistemas e as suas imposições para criarmos o nosso próprio. Seria belo ver uma qualquer figura mediática da politica, durante um importantíssimo congresso, despir-se antes de falar em público.

é também a ingenuidade, assistir a um ignorante a ensinar outro ignorante aquilo que ele próprio não sabe, isso para mim é belo também.

o belo também acontece acontece quando algo indesejado (quanto mais melhor) acontece na feitura de uma acção ou objecto cujo objectivo é dominar ou controlar.

o que o belo não é, de todo, para mim: Qualquer objecto que seja categorizado com essa palavra sob um sistema de valorização da obra com intuito de fazer lucro. Mas talvez seja, até certo ponto, belo alguém que, na sua ingenuidade, compre essa obra.

o belo está na resignação do jogador de xadrez, e na sua fúria e angústia. Na comunhão de opostos, na tomada de consciência das infinitas possibilidades e configurações do real, assim como do próprio conceito de belo. o belo pode ser gerado na consciência e inconsciência, simultaneamente. posso suportar uma definição de belo racional e politicamente, assim como posso suporta-la simplesmente com a minha poesia, emoção e instinto.

é belo que não se chegue a uma conclusão sobre o que é o belo. seria o oposto de belo, se apenas existisse um conceito de belo. mas mesmo aí haveria o belo, na capacidade de nos associarmos todos a um conceito, na capacidade de crença comum tornada possível através de mecanismos sociais que simplesmente não funcionam porque são mecanismos e não são, em si, vida.

finalmente, para concluir, belo é o infinito, belo é o nada.

será esta a beleza que delicia o niilista?

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Nota sobre o texto "O publico portugues e o cinema como força transformadora" presente na 1ª edição da revista Sentidos

http://issuu.com/sentidosartesletras/docs/1maio

 Tenho um grave défice no que toca a contextualização histórica tendo em conta factores sociais, politicos, económicos, etc. Mas apreciei bastante o teu ponto de vista. Mas como reconquistar esse público agora? O meu ponto principal era o de perceber os processos mais básicos que fazem com que o gosto do público se torne cada vez mais controlado e pobre, e apresentar uma possível solução, uma atitude perante a criação cinematográfica, atitude essa que passa por adoptar certos elementos estruturantes de um filme estereotipado mas introduzindo algo mais pessoal e com potencial de comunicar com mais pessoas (neste caso os Portugueses), aquilo que eu referi nos exemplos, por exemplo do Steve McQueen. Tratar algo de uma forma diferente. O tempo, por exemplo. A semiótica do filme. A base moral ou inspiração cultural. Adoptei esta abordagem na minha média metragem. Ao inicio estava a ficar uma cena exageradamente "artistica" que so eu percebia, depois esquematizei toda uma série de coisas que queria comunicar e/ou abordar, inseri-o numa estrutura narrativa clássica e batida do rapaz que está numa realidade que o reprime, conhece uma moça de outra realidade, essa moça está em perigo, ele salva-a (mas não vivem felizes para sempre, alias, morrem os dois) mas dei-lhe algo meu e algo Português. A forma como tratei a edição, todo o background da historia e o seu conteudo, etc, etc. Provavelmente esta não é a atitude mais "artistica", mas creio ser a mais humana. Alias, fui bastante criticado por alguns professores. Porque alem desta atitude eu fiz o filme ao contrário. Em vez de escrever e depois procurar os meios para o fazer, eu vi que meios tinha, suguei o melhor deles e criei algo a partir deles. Isto juntamente com esta vontade de me assemelhar a estruturas estereotipadas foi altamente criticado. Critica essa que até a mim me moi a cabeça. Mas eu não sou um artista. Sou um homem, preocupo-me com as pessoas que me rodeiam, quero partilhar o que gosto com estas pessoas, quero que estas pessoas percebam o que eu vejo e quero com elas e através delas limpar (ou ajudar a limpar) muita merda que abunda nesta cultura consumista que sei lá até que estado existencial de autentico marasmo e cegueira nos pode arrastar.

Retirado de uma conversa do Grupo Cinetech&Ideas do Facebook.

Aí está a primeira edição da Sentidos!

http://issuu.com/sentidosartesletras/docs/1maio

somos diferentes

Discurso perfumado com as mais requintadas intenções morais! Que razão tão nobre e bela trazeis nesse peito inchado! Com que nobreza tu censuras o imprudente, o radical, o louco!

Pois eu sou o imprudente, o radical, o louco, e prefiro morrer em busca de um bem maior do que me viver numa "segurança". Não tenho nada a provar a ninguém, essa força que te move a mim não me pesa nada, e acredita que se conhecesses a minha felicidade escolherias também ser louco! Provavelmente tiveste o infortuito de cair muitas vezes em desgraça quando, outrora, te aventuraste nesse mundo de incertezas, de riscos, onde a um passo de ti tens a fortuna, mas é um passo no escuro, e talvez não consigas controlar o que te impede de caír no abismo. Mas sabes, consegues. Eu consigo. É tudo uma questão de auto educação, atitude, vontade, coragem!

Mas eu percebo-te, bastante bem até. Desculpa o meu discurso irónico e depreciativo. Somos diferentes. Por minha vontade nunca batalharemos, mas nunca mais te metas no meu caminho. E se tivermos que tomar uma decisão os dois, que seja pelo interesse de outro, e não do meu ou do teu.

quarta-feira, 24 de abril de 2013

imp - pobres dos que não sentem medo

O desconhecido seduz-me
o breu perfume o ar
sons inesperados inquietam-me

e fazem-me querer ter medo deles

avanço, contudo.


Não percebo porquê, ou como,
o medo não me impede de andar,

vejo-o como um mistério
que pode ser desvendado com um simples olhar.

Olho e avanço,



imagens de natureza perturbardora regalam a minha ávida curiosidade,

embebedam a minha razão,

despertam a minha embrutecida coragem,


ou será indeferença que desperta em mim?
Indiferença perante esse horror, que não me toca.

talvez assim possa falar com ele, e perguntar-lhe:
Afinal o que és tu que produzes o medo?
Ou és a minha mente, ansiosa por interpretações misticas,
ou alguém, mascarado,
ou esse real horror que é a natureza
a selva
o selvagem
o escuro
que não se vê mas se sente,

cheira,

ouve,

pisa.

A minha razão já não sabe bem de que serve o medo, o horror, porque acho que começo a saber aprecia-lo, nessas viagens pelo desconhecido.

Mas eu sinto-o, oh sim! Como um acido a corroer-me as veias e embrutecer-me os membros.
calafrios pela espinha abaixo. Sinto a morte, o nada para que posso subitamente ser sugado,
sabe-se lá porque força. Mas a moral não me move, descarto o que me "ensinaram" a respeito do medo, nomeadamente, respeitá-lo, teme-lo, porque sim.

Nada me pode matar, apenas a natureza.
Nenhum espirito ou fantasma ou besta desconhecida me vão assaltar, numa noite escura nos bosques densos.
Se o fizerem saberei que não me querem mal, porque fui eu que os criei (?).

Nunca antes senti este medo.
Este é diferente.
Este não me faz querer fugir, desesperado,
faz-me querer senti-lo ainda mais.
Para depois o deixar, e voltar para a outra vida.

Estendo a mão, na escuridão, convido esse vulto que me persegue.
Estive com ele, não sei do que falamos, nem se falamos.
Mas estive. Mas não sei o que senti sequer.
Sim, senti medo.
Mas não fugi.
Apenas quando me acordaram, fugi.
Veloz.
E quanto mais longe estava, mais sentia o medo que não senti quando estive com ele.
É estranho. Olhei-o e vi-o outra vez, ao longe.
Desviei o olhar e entrei noutro mundo.
Agora aquele local é povoado por fantasmas.
Assim estes nascem.


quarta-feira, 17 de abril de 2013

Considerações sobre a abordagem à escrita do argumento cinematográfico (ou outro qualquer objecto artístico)


Numa das minhas aulas de Argumento o Professor afirmava veemente que todas as ideias partiam de uma imagem puramente visual. Creio ter percebido o que ele queria dizer, contudo vejo isso como uma abordagem além de um pouco romântica bastante limitada. É certo que o sentido que mais directamente influência o nosso estado de espirito é a visão, é com esta que nos orientamos no espaço e também com esta que mais facilmente penetramos universos distintos do nosso universo pessoal, grande parte dos momentos em que nos sentimos empáticos com algo provêm de um estimulo visual (claro que acompanhado com o sonoro e todos os outros de qualquer forma), seja a observar um pedinte na rua, uma mulher a lavrar a terra, seitas religiosas vergadas sob o jugo do seu deus, expressões faciais, etc.

De qualquer forma, embora eu seja um ser visual (agradam-me muito os vários fenómenos estéticos que nos rodeiam, sendo capaz de divagar interiormente apenas com recurso á contemplação visual), esta não é de todo a minha abordagem, a minha premissa para a escrita de um argumento, contudo parte das influências que me movimentam serão, talvez, de origem visual. Já escrevi alguns argumentos e sinopses e apenas num deles a ideia partiu de uma génese visual, esse argumento foi o Indiferença.

Durante uma noite de carnaval, na rua do 77 ali em cedofeita, no meio de toda a balburdia e extase do carnaval um sem-abrigo abordou-me e a um amigo que estava comigo, queria um cigarro para fazer um charuto. Bom, acontece que lhe arranjamos o cigarro e ele partilhou conosco não só o charuto como também a história da sua vida, ou parte dela. Tinha passado por uma série de adversidades, fez uma escolha na vida que acarretou consequências que o deixaram sem família, casa e dinheiro. Vivia na rua e da rua. Senti-me altamente empático com ele enquanto contava alguns episódios de humilhação que sofrera pelas pessoas nas ruas, assim como alguns actos de solidariedade. Vi-o então como um homem com um coração bom, um homem educado mas que devido a uma escolha errada na vida se encontrava á mercê da rua, divagando pela cidade do Porto como uma alma perdida. Ao mesmo tempo  que ele nos contava tudo isto eu olhava á nossa volta. 95% das pessoas que abarrotavam nas ruas eram jovens dos 16 aos 30 anos, perdidos numa espécie de ritual teatral. Tive uma visão um pouco negra, vi-os como um produto degenerado de uma geração altamente mimada e consumista, uma geração do espectaculo (pegando aqui no conceito de Debord). (Claro que estou a ser muito generalista e talvez pretensioso. Cada individuo é o acumular de diferentes experiências e devemos respeitar a visão de cada um. Contudo queria explorar as consequências da falta de humanismo e empatia entre as pessoas na urbe, fruto das máscaras que a sociedade e nós criamos e muitas vezes aceitamos passivamente, não olhando para além das mesmas. Queria mostrar diferentes indíviduos com diferentes angustias e desejos mas igualmente humanos.)

Esta experiência levou-me á escrita de "Indiferença", uma curta com uma estrutura em 4 partes, em que o espectador era subtraido a uma posição voyeurista e levado a observar certos acontecimentos, um rapaz a chorar no autocarro, jovens a angariar fundos para uma acção de solidariedade (sem sucesso), um recente sem abrigo a tornar-se traficante para sobreviver, e no final um desfecho em que todos os personagens se cruzam, e apesar das suas frutrações e desejos (que partilhavam de forma identica mas em contextos diferentes) estes são também indiferentes entre si e o sem abrigo, desesperado, acaba por matar a tiro o rapaz do autocarro, no café em que este trabalhara. Esta comunicação que eu faço através deste filme (que ainda não foi produzido) não é uma comunicação IN YOUR FACE, na medida em que eu, enquanto argumentista e realizador, não digo nada, apenas coloco o espectador perante uma série de episódios para ele próprio experienciar, colocar as suas próprias questões e achar as suas respostas. É um filme, como eu gosto de dizer, experiencial, a minha premissa é a experiência, o testemunho de algumas cenas que a mim me despoletam ideias e vontade de agir.

Esta terá sido a unica ideia que tive que posso afirmar com segurança que partiu de um estimulo visual, mas que depois, contudo, para algo mais. Esse algo mais é a intenção comunicativa ou experiêncial que para mim, é a verdadeira premissa  na escrita de um argumento.

Mas o que é isto de intenção comunicativa e intenção experiencial?

Creio que há duas formas de "aprender". Uma delas é lendo, outra é vivendo. Como escrevi num texto á pouco tempo:

 "Para perceber melhor as diversas realidades que nos rodeiam é necessário termos passado por uma série de experiências, experiências essas que poderemos não ter oportunidade de viver, por estarmos também inseridos numa determinada realidade social. Passar fome, viver na rua e da rua, ser perseguido, etc, etc, etc. O cinema pode-nos dar essas experiências. O cinema pode educar o nosso pensamento e atitude, pode ensinar-nos outras formas de perceber o mundo."

Portanto a minha abordagem varia entre estas duas "formas" ou intenções. A experiêncial: em que não existe um relato que ajude o espectador a perceber a história ou uma narrativa que não tenda para um único e determinado ponto de vista. E a comunicativa: Em que este relato ou tendência narrativa estão bem vincados e apontam num determinado sentido.

O meu filme "Ethoi" é uma espécie de hibrido (embora não muito bem conseguido) entre estas duas abordagens. É tudo, no fundo, uma questão de tratamento do tempo. Tanto tenho cenas exclusiva e densamente dialogadas como tenho longas cenas em que apenas observamos. Mas já vou falar deste filme mais á frente.

Muitas vezes os meus colegas me dizem (confrontados com datas para entregar argumentos) que não têm inspiração para escrever nada, começam a escrever algo mas rapidamente se torna entidiante e até absurdo. Creio que o problema reside precisamente no facto de não existir essa premissa comunicativa, querem contar uma história, mas não sabem o que querem comunicar, não sabem ondem querem chegar. Se não sabem onde querem chegar não sabem as várias formas que podem adoptar para chegar lá, logo dificilmente existirá criatividade nos seus argumentos. Contra mim falo, também senti isso á uns anos, no meu curso profissional de audiovisuais, mas agora não tanto.

A minha fonte de inspiração primária é a literatura filosófica, pois esta mais facilmente me questiona sobre uma série de coisas, coisas essas que tento perceber e que, após ter percebido e ter limpo um pouco mais as minhas "portas da perceção" (Huxley), sinto vontade em adaptar num argumento para COMUNICAR.
O "segredo" para fazer um bom filme, escrever um bom argumento é não querer escrever, não sentir a obrigação que tem que se fazer, mas querer realmente dizer ou fazer sentir algo.
O meu único filme produzido, a média-metragem "Ethoi - Entre Fenómenos e Verdades" foi um exercicio muito produtivo e interessante na medida em que eu tinha uma série de coisas que queria comunicar, assim como algumas questões que queria levantar.

Vivi em Santo Tirso durante o meu ensino secundário, longe da familia, e aí vivi a época mais poética da minha vida. Lia bastante Nietzsche, conheci tambem autores como Henry David Thoreau, Aldous Huxley e Schopenhauer. Além disso estudava guitarra clássica (de referir a minha tendência para tocar peças contemporâneas, onde o sentido lógico se desvanecia para dar lugar á poesia, ao mistico) e fumava "uns canhões". Tudo isto junto proporcionou-me uma experiência muito além daquilo que pensava que poderia experienciar interiormente. E tudo isto me levou a perceber que o mundo e a verdade são uma construção social, e que a realidade em que eu estava inserido era apenas uma das várias configurações existênciais que existiam no mundo (e outras que não existiam, mas que podiam igualmente existir). Desinteressei-me pelos valores dos meus próximos. Nunca fui de festas, de me vestir bem e de acordo com a moda, de alimentar conflitos no facebook por causa de desentendimentos futeis. Queria algo mais que aquela existência marasmática, que não via para além dos seus próprios limites, nem sabia reconhecer estes tão pouco.
O meu objectivo foi então o de comunicar isto ás pessoas, que existem muitas configurações do real, que cada configuração permite diferentes niveis de felicidade e consciência, e que cada um de nós pode (embora seja um pouco utópico) construir o seu próprio mundo. Mas além disto havia algo mais que eu queria dizer, e isso foi despoletado pela minha existência lá, nomeadamente o respeito e a compreensão. Nunca fui percebido pelos meus próximos, alias, alguns julgavam-me louco e censuravam-me constantemente. Eu ainda não tinha as armas que tenho hoje para me defender, por isso sofri. Sofri porque as pessoas além de não querem perceber o que me levava a ver  as coisas de uma determinada forma, ainda me censuravam. Portanto queria semear a compreensão e o respeito por outras formas de existência, ou crenças, ou o que quer que seja, porque cada existência se justificava a si própria.

Tinha então toda uma panóplia de coisas que queria comunicar. Cheguei mesmo a enumera-las mesmo antes de ter a historia definida. Um dia partilharei todo o processo de escrita e intenções da minha história.

Mas o que eu fiz, resumidamente, foi achar uma série de escolhas narrativas para comunicar cada um desses pontos, num pacote relativamente "comustivel":

Sinopse rápida:

É um filme com uma estrutura simples e linear. Existem duas familias que se desenvolveram autonomamente longe de toda  sociedade, e criaram a sua própria realidade, a sua própria forma de interpretar os fenómenos da natureza e a sua própria conduta e crenças. Uma delas baseava-se no misticismo, outra na razão cientifica (fiz grandes divagações sobre estas duas diferentes configurações existências). Estas familias (cujo fundador é o mesmo Homem que escreveu um livro e depois os seus dois filhos, com interpretações diferentes, criaram as duas familias) não se podiam contactar. Um dia uma rapariga e um rapaz das diferentes familias cruzam-se e acabam por, a par de desvendar os mistérios das familias, desenvolver uma relação amorosa. A rapariga, Insania, engravida e é envenenada, e o rapaz, Pathos, vê-se obrigado a fugir em busca de uma cura. Pathos acaba por, depois de longos dias a andar, encontrar uma cidade onde é espancado por um grupo de jovens drogados. Um fotografo ajuda-o e depois de uma conversa arranja-lhe a cura numa farmacia. Pathos volta, inflitra-se em casa de Insania, injecta-lhe a cura mas é capturado. Na cena final os dois jovens estão fechados dentro de uma igreja vazia, amarrados. Pathos morre, envenenado. Depois de fechadas as portas da igreja (onde os jovens iriam apodrecer) a rapariga desperta e começa a gritar, gritos que são percepcionados pelos sacerdotes das duas familias (os chefes máximos) como uma mensagem dos deuses.

Entusiasmei-me um pouco e acho que fugi ao tema inicial.

Criei, a meu ver, uma boa história (embora não tivesse os conhecimentos técnicos e o "calo" para do bom argumento, fazer um bom filme). E consegui-o porque tinha essa vontade.

Portanto, para concluir, para todos os que desesperam quando tentam escrever algo e não conseguem, não desesperem! Como diz o meu Professor de Realização Sério Fernandes "Precisam de Tempo Artístico e da viagem interior!" Talvez reflectindo um pouco sobre o que nos move, quais o valores que a nossa familia e cultura nos incutiram, que outros valores existem e o que representam estes aos nossos olhos. De certo surgirão algumas questões e talvez possiveis respostas. Depois tudo acontece naturalmente. Ler também ajuda, ou uma aventura por terras ou ruas desconhecidas, conhecer pessoas, falar com elas.

Ou então, como uma espécie de exercicio, como propos um outro Professor de Argumento da minha faculdade, recolham uma noticia daquelas intrigas que acontecem por aí e desenvolvam uma história á volta disso. Há imensas formas, cada um tem que saber onde consegue encontrar inspiração.

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Exercise Number One: Fill in the gaps!

Tu és o que consomes.
Se só consomes (       ), és uma (         ).
Mas se consumires (       ) embrulhadinha num vestido bonito e uma linda máscara,
serias uma (        ) embrulhadinha num vestido bonito e uma linda máscara.

(merda)
(treta)
(mentira)
(porcaria)
(futiliza)
(whatever)
(...)