domingo, 3 de janeiro de 2010

O semeador de impotência

A chuva caía.
"Como te chamas?" - Pergunta o amável senhor, sorrindo.
"Porquê."
"Não sei... - diz como que respondendo, confuso - Não é o que normalmente se pergunta quando sentimos que, em qualquer circunstância que seja, se voltará a partilhar o mesmo espaço cénico com alguém?" - Retorquiu soltando uma gargalhada.
"Talvez..."
"Fumas?" -Pergunta o senhor estendendo um maço de cigarros aberto.
"Porque não?" - Disse, aceitando a oferta e afastando o cabelo, não fosse o vento levá-lo até á chama do bronzeado isqueiro que se aproximava, cavalheirescamente.
"Foi por isso que há 35 anos decidi cortar o cabelo e mantê-lo curto" - Disse o senhor sorrindo levando o lume ainda aceso á ponta do seu cigarro.
"Obrigado pelo cigarro" disse enquanto a chuva caía.
"Mas e então? Como te chamas? Tens cara de quem deve ter nome." - Disse o senhor avaliando as roupagens do individuo.
"Porquê."
"Mas porquê o quê?" Perguntou o senhor, curioso.
"Só Porquê. Diga-me - iniciou o individuo - acredita em Deus?"
O senhor levou o cigarro aos lábios, respirou uma fumaça e apreciou-a.
"Deduso que te refiras ao deus dos outros. - olhara da ponta do cigarro para o individuo - Não quero compreender como normalmente compreenderia a tua questão. Não é um pouco ridiculo? Quer dizer.. Devo acreditar em Deus? Ele provou-me algo? E pediu-me que analisasse o grau de verdadeirez da sua verdade?"
"A revolta presente na sua retórica é triste, permita-me. O que ganha em domar a lingua dessa forma? O semeador de impotência descobriu uma nova arvore?" - Pergunta o individuo calma e curiosamente.
"Antes assim fosse! - Gritou o senhor, furioso - Ao menos seria louco o suficiente para começar um campeonato de loucura com os crentes. Mas diz-me - iniciou o senhor quando o desejo o começara a acalmar de novo - porque é ela triste?"
"Porque é a chuva triste? - perguntou o individuo - porque na cabeça das pessoas traz incómodo, e sabem lá elas porquê, e perante este incómodo conformizam-se, as ingratas, sem sequer terem experimentado andar á chuva, ou se o fizeram levaram com elas o pressuposto que seria incomodativo, esse perigoso veneno ilusório. Você viu a verdade assente noutro nível de compreensão que não o pensamento religioso, mas não consegue viver essa verdade como os religiosos vivem as deles, ou seja, em harmonia por isso se revoltou. Mas pior, encarou essa revolta como o final de uma estrada. E agora vive a realidade de outros, e as unicas pegadas que a sua consciência marca no seu solo são da sua tristeza."
A chuva caía quando as vozes debaixo daquela paragem de autocarro cessaram.
"Sabes. Sempre quis meter-me á estrada. E ir por aí fora em direcção a lado algum. Permitindo que a minha metamorfose aconteça. Nada do que me disseste é novo para mim. Mas disseste-o e isso basta. Obrigado meu amigo. Adeus."
E assim foi.

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