sexta-feira, 8 de abril de 2016

"John From" - breve impressão

Tive que escrever um relatório/resumo sobre o filme para a faculdade, por isso resolvi adapta-lo um pouco e partilhar, coisa curta e sem palavreado caro (why not?)




A nova longa-metragem do João Nicolau segue a linha estilística e temática dos seus anteriores filmes, movimentos físicos da câmara a passear-se de uma forma muito coreográfica, uma grande preocupação com a composição e gestão de linhas de força dentro do ecrã, etc, e no plano temático a adolescência amorosa e a diluição das fronteiras do empírico com o onírico. 

Contudo, ao contrario por exemplo da sua curta-metragem “Rapace”, e como o próprio confessou, é um filme onde a forma cinematográfica e a narrativa parecem estar em maior consonância, isto é, as “regras” dos universos ficcionais que o filme vai criando são agora uma consequência do pathos dos personagens, não é algo preexistente ao tempo em que o filme começa, o que lhe confere qualidades mais clássicas, se quisermos, em que alguma força ou acontecimento exterior ao universo do personagem vem alterar a ordem do mesmo.

Assim, o filme começa num ambiente perfeitamente banal e deliberadamente descaracterizado para evitar "leituras sociológicas" que não interessam para a história, o que revela da parte do João um maior interesse na dimensão poética e plástica do cinema, o que é de saudar, a meu ver. 

Este universo banal em que o filme começa vai-se metamorfoseando, ora com momentos mais documentais a seguir a personagem, ora com momentos um quanto surreais e aparentemente inconsequentes,  ora com fantasia pura, e aí termina o filme, num universo que pertence ao domínio do fantástico, em que o amor "virá do céu", tão poética como literalmente. 

Esta progressão, este arco de transformação do "real" e não só da personagem principal, é o que dá, a meu ver, a magia ao filme, deixando o espectador indeciso quanto ao seu género. Uma amiga confessou que sentiu existir demasiada inconsequência no decorrer dos eventos, para o seu gosto pessoal e tendo em conta o seu formato de longa-metragem. Gostava de se ter envolvido mais dramaticamente no universo da personagem. Isto é perfeitamente válido, mas creio que não pode ser considerado uma "crítica" ou um erro. É uma questão de gosto. 

Esta fugacidade, a tristeza e amargura seguida de momentos de fantástico em que tudo está misteriosamente resolvido, é sem dúvida uma marca autoral do João Nicolau, e é o que torna os seus filmes peculiares, interessantes. O que parece interessar ao João é a capacidade humana de, sem motivos muito claros ou fundamentados, passar de um estado de miséria ou apatia (por exemplo) para um estado de graça, sendo que os impulsos que impeliram essa mudança não são, imperativamente, da ordem do racional ou empírico. E num sistema social onde as vivências poéticas são cada vez mais abstémias (apenas os loucos e os boémios se podem dar a esse capricho irracional), onde o racional, o eficaz, e o politicamente correcto lideram grande parte dos debates e iniciativas (ou é apenas impressão minha?), obras como esta são de celebrar (bem hajas Som e Fúria!) 
Precisamos de mais poesia e menos parlapié sobre a crise!

Ide ver, ide! E vejam as curtas também!

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